Este artigo é dividido em 3 partes:
Parte 1: Uma grande ideia – Você está aqui
Parte 2: Uma classificação que não funciona
Parte 3: O futuro da Classificação de St. Émilion
A CLASSIFICAÇÃO DE ST. ÉMILION – UMA GRANDE IDEIA
Introdução
Fazer rankings, classificar e organizar em categorias é atividade típica da racionalidade humana. No mundo do vinho não poderia ser diferente.
Todos adoram comparações, hierarquias e rankings. A classificação de vinhos mais famosa (e talvez mais importante até agora) é a Classificação de 1855 do Médoc e Graves.
Criada por solicitação de Napoleão III para promover os vinhos franceses por ocasião da Exposition Universelle de Paris*, foi baseada em critérios de preço. Ou seja, para puro deleite dos economistas liberais, a lógica é a de que o mercado paga mais por aquilo que que é melhor.
Ainda que o mercado – suscetível a modismos e outros fatores não racionais – possa não ser o juiz mais rigoroso (pelo menos do ponto de vista da avaliação qualitativa pura), em se tratando de mercadologia a ideia faz sentido. Afinal, o preço da mercadoria acaba por refletir o prestígio e admiração perante o público e é isso que se quer destacar em uma feira.
A Classificação de 1855 é dividida em 5 degraus Cru Classe (CC). Em ordem crescente de hierarquia: são 18 Cinquièmes Cru Classé, 10 Quatrièmes CC, 14 Troisièmes CC, 14 Deuxièmes CC e 5 Premiers CC.
É um ranking histórico e estático. Até hoje apenas o Château Mouton-Rothschild conseguiu mudar de categoria, ascendendo para Premier CC, em 1973. Desde então nenhuma outra alteração foi permitida.
As críticas mais ferrenhas a esta classificação estão na sua imutabilidade. Sua perpetuidade ignora a capacidade dos produtores de melhorar (ou piorar) seus produtos, o surgimento de novos e talentosos viticultores e o fato de que hoje o vinho é muito diferente do que era há 165 anos.
A partir de 1855 várias outras classificações foram editadas como, por exemplo, a Cru Bourgeois, de 1932, a de St. Émilion, em 1955, a de Graves, em 1959, e a Crus Artisans, em 2006.
Mas é da classificação de St. Émilion que eu quero falar.
A classificação de St. Émilion
Em 1955, cem anos depois da afamada Classificação de 1855, foi editada a classificação de St. Émilion. Mais simples e moderna, estratificava os vinhos em três classes. Em ordem crescente: Grand Cru Classé (GCC), Premier Grand Cru Classé B (1er GCC B) e Premier Grand Cru Classé A (1er GCC A).
Na primeira lista foram eleitos sessenta e três Grand Cru Classé (GCC), dez 1er Grand Cru Classé B(1er GCC B) e apenas dois 1er Grand Cru Classé A (1er GCC A): Château Ausone e Château Cheval Blanc.
Para entrar no ranking os vinhos são submetidos a testes cegos e os produtores precisam passar por um complexo processo burocrático, apresentando várias informações sobre o vinhedo, práticas de cultivo e vinificação, quantidade de produção, histórico da propriedade, valor de mercado, etc.
A cada dez anos a classificação é revista, permitindo a inclusão de novos produtores, ascensão, rebaixamento ou manutenção das posições.
Os critérios de avaliação são os mesmos para todas as classes, em resumo: terroir, práticas de vinificação e reputação de mercado, além de julgamento da qualidade e consistência dos vinhos, aferidos por meio de testes cegos.
Todavia, os Grand Cru Classé (GCC) são apreciados a partir das 10 últimas safras e é preciso receber 14 de 20 pontos possíveis. Os 1er GCC B precisam fazer 16/20 pontos no exame de 15 safras e para os 1er GCC A são as últimas 20 safras que contam, sendo exigida uma pontuação mínima de 17/20.
A métrica também é diferente entre as classes. A consistência e a qualidade são os fatores mais importantes para ser admitido como Grand Cru Classé, enquanto reputação de mercado foi o que mais pontuou na nota final para os 1er Grand Cru Classé, no último ranking (2012).
Em um primeiro momento pode parecer injusto que o julgamento seja feito por régua desigual. Porém, é preciso lembrar que grande consistência e ótima qualidade é o mínimo que se espera de um 1er Grand Cru Classé (ça va sans dire, como diriam os franceses). Ou seja, quer-se mais, muito mais, de um 1er GCC do que somente qualidade e consistência.
A ideia é excelente. Para os consumidores, um ranking simples de entender com apenas 3 categorias e que asseguram a qualidade e regularidade do produto safra após safra. Para os vinhateiros, além de prestígio imediato as metas para ascender entre seus pares (leia-se: a possibilidade de tornar sua mercadoria cada vez mais premium e cobrar por isso) são bem definidas. Para a região, incentivos para manutenção da qualidade em alto nível e estímulo ao reconhecimento de mercado que reflete em notoriedade para todos os vinhos de St. Émilion.
Seria ótimo se fosse só isso, mas… claro que não é tão simples assim.
A classificação de St. Émilion não funciona e na segunda parte deste artigo vamos mostrar o porquê.
*Na Exposição Universal de Paris de 1855 (oficialmente Exposition Universelle des produits de l’Agriculture, de l’Industrie et des Beaux-Arts de Paris) a França mostrou ao mundo suas maravilhas, pretendendo superar a Grande Exposição de Londres de 1851. Segundo dados oficiais, entre maio e novembro de 1855 mais de 5 milhões de visitantes compareceram à exposição.
dezembro 18, 2021
Excelente! leitura agradável, realmente um artigo de quem gosta e privilegia conhecimento sobre vinhos para degustar vinhos em nível de excelência. Dá vontade de tomar uma taça de St. Émilion.