1982 – O ANO QUE MUDOU O MUNDO

Por 1 fevereiro, 2020 0 Permalink

O Melhor Ano da Minha Vida (até agora) – 5a Parte

1982 O Ano Que Mudou o Mundo

Depois de sucessivas safras medíocres nos anos 1970, um inverno suave, temperaturas altas e bastante insolação no resto do ano permitiram uma maturação perfeita das uvas em 1982.

Enquanto isso, os yuppies, geração gestada no selvagem mercado financeiro, estavam famintos por desfrutar de tudo que fosse fino, caro e raro. E o que será que isso tem a ver com vinho? Vamos em frente.

1982 não foi só uma ótima safra. A quantidade de frutos de boa qualidade fez com que a colheita fosse 50% maior que nos anos anteriores. Ninguém estava preparado para tanto e os produtores foram obrigados a improvisar.

De maneira geral, frutos bem amadurecidos, maceração menos estendida e técnicas “modernas” de controle na fermentação resultaram em um vinho opulento e rico, mesmo que com volume de álcool por volta dos 13o, bastante tímido para os padrões atuais.

Ao mesmo tempo que muitos críticos desdenharam da produção de 1982, Robert Parker caía no gosto popular, exaltando a safra com suas descrições direitas e adjetivos enfáticos, além de utilizar uma escala de 100 pontos, muito mais fácil de compreender do que as avaliações ponderadas em 20 pontos, correntes na época.

Independentemente das ressalvas que se possa fazer, Parker estava certo ao afirmar que “esses 1982 (…) estão destinados a ser os maiores vinhos já produzidos nesse século”.

Foi a combinação explosiva entre um produto finito, com tradição imemorial, representativo de status, e uma geração com grande poder aquisitivo e ávida por bens de consumo exclusivos. E, além de colecionáveis os vinhos ainda poderiam ser negociados no mercado de valores mobiliários! Perfeito para a geração yuppie, não é?

 

Índice de evolução de preço de um grande Bordeaux da safra de 1982

O resultado foi que Bordeaux iniciou um novo ciclo de grande procura no mercado internacional, catapultou-se no mercado de luxo e viu seus preços subirem exponencialmente.

 

Estima-se que entre 1983 e 2002 o índice Dow Jones tenha acumulado alta de 770%, enquanto os vinhos de Bordeaux subiram nada menos do que 2.000%, no mesmo período.

1982 Mudou o Passado

Se, antes de 1982, muitos produtores não tinham condições de investir ou não acreditavam nos benefícios das técnicas modernas de vinificação (seleção de frutos com correto desenvolvimento vegetativo, controle preciso de temperatura, seleção de leveduras, cuidados na armazenagem, entre outros), o desfecho da colheita daquele ano deixou claro que os châteaux mais tradicionalistas ficaram defasados.

Desde então a colheita de frutos mais maduros, investimentos nas adegas e vinificação com auxílio da tecnologia permitiram que Bordeaux produzisse vinhos mais agradáveis para degustar desde seu lançamento. É o que se passou a chamar de vinho moderno, conciliando capacidade de envelhecimento e palatabilidade quando ainda novo.

Além disso, as novas técnicas empreendidas tanto no campo quanto na adega propiciaram uma menor dependência das condições climáticas e, consequentemente, a elaboração de bons vinhos mesmo em anos desfavoráveis.

1982 Mudou o Futuro

Após 1982 a importância das críticas de vinhos alcançou outro patamar. O consumo passou a ser orientado pelos críticos em proporções jamais antes vistas. Compra-se tudo aquilo que fosse bem pontuado.

Ao reboque, muitos produtores passaram a nortear sua vinificação para agradar a crítica, da qual Parker se apresentava como um dos maiores expoente.

Há quem diga que a esta Parkerização fez com que, em todos os lugares do planeta, se produzissem vinhos potentes, alcóolicos e amadeirados, bem ao gosto do crítico, em detrimento da elegância e das características de origem. De outro lado, estão os que afirmam ser natural a mudança de estilo ao longo dos anos, muitas vezes em movimentos pendulares.

Curiosamente, agora que Parker reduziu suas atividades (muitos falam em aposentadoria), já se observam críticos elogiando a elegância e frescor da safra de 2017, com menos potência e álcool, considerada “mais clássica”. Mas, evidentemente, pode ser “só” consequência das severas geadas naquele ano, ou até do mencionado movimento pendular, representativo de mudança para um estilo mais sutil para os próximos anos.

Olhando na perspectiva evolutiva, passados mais de 30 anos dessa safra histórica há quem diga que ela é superestimada, aquém das consagradas 1961, 49, 45 e 29. Você ainda poderá dizer que é exagerado o título deste artigo, mas inegavelmente o mundo do vinho nunca mais foi o mesmo depois de 1982.

O Melhor Ano da Minha Vida (até agora)

Chateau Haut Brion

Se os anos fossem medidos exclusivamente pelos vinhos degustados, eu poderia dizer que 2017 foi meu melhor ano (até o momento).

Continuando a série dos vinhos que tomei em 2017, eis aí a quinta e última parte dos posts sobre o tema.

Haut-Brion é o menor e um dos mais antigos dos Premier Crus Classés de 1855. A primeira menção à existência de vinhas na propriedade, onde hoje está o Château, data de 1423, embora o castelo ostentado em seu rótulo seja uma construção “mais recente” de 1550.

E já que acima falamos em Parker, Haut-Brion já foi definido pelo crítico como “simplesmente o maior vinho do mundo”.

Em 2017 tive a oportunidade de degustar o Haut-Brion 1982, e compartilho minhas notas de prova:

Chateau Haut-Brion 1982 (WS 95, RP 95, WCI 97)

Atijolado, intenso. Alcaçuz, licor de cassis, folhas de chá preto e leve farmácia. Em boca a palavra é equilíbrio. Elegante, sus bois, caça defumada. Grande acidez e um dulçor da fruta. Você sabe que a fruta está lá, mas ela só se apresenta “oficialmente” quando se agita a taça. Impressionantemente vivo, ótima acidez e final loooooongooooo.

Polêmicas à parte sobre a safra, posso garantir que 1982 é um ano que marca a minha história com Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida no cinema, Thriller de Michael Jackson e, a partir de agora, esse Chateau Haut-Brion.

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