3 vezes França
Não devem ter sido tempos fáceis em 1626, quando a vinícola Trimbach foi fundada.
Seus vinhedos ficavam no meio do território do Sacro Império Romano-Germânico, hoje Alsácia. Havia 8 anos que a região estava envolvida em uma série de conflitos étnico-religiosos, que ficaram conhecidos como a Guerra dos 30 anos.
A paz foi selada em 1648, com a assinatura do Tratado de Vestifália. A Trimbach e toda a Alsácia passou a ser francesa.
Na segunda metade do século XIX, eclode a Guerra Franco Prussiana. Em 1870, a Alsácia é tomada pelos alemães, e junto com as terras, as uvas da Trimbach se tornaram germânicas.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha assina o Tratado de Versailles cedendo a Alsácia para o governo do Presidente Raymond Poincaré. Sem sair do lugar, a vinícola volta a produzir vinhos franceses.
Alguns anos mais tarde, durante a Segunda Guerra, os vinhedos da Trimbach puderam testemunhar os aviões da Luftwaffe cruzando os céus e o retorno dos soldados de infantaria comemorando a anexação da Alsácia ao Estado alemão de Baden.
Porém, não por muito tempo.
Em 1945, pela terceira vez, a família Trimbach voltou a ter passaporte francês, e a engarrafar seu vinho sob a bandeira bleu, blanc, rouge. Desde então os rótulos estão em francês, as regras fitossanitárias são ditadas por Paris e a classificação dos vinhos obedece às normas da INAO (Institut national de l’origine et de la qualité).
A Alsácia
A Alsácia fica no nordeste da França, espremida entre o Rio Reno e a cadeia de montanhas Vosges. Do outro lado do Reno, a um passeio de distância, estão os vinhedos alemães.
A AOC Alsace foi criada em 1962. Cerca de 70% de toda a produção é de brancos. Os Riesling, Pinot Gris e Gewürztraminer fazem a fama da região. Entre os tintos só a Pinot Noir é permitida.
Riesling
Depois de ter a reputação jogada na lama por vinhos de má qualidade, inclusive aquele Liebfraumilch da garrafa azul, famoso no Brasil na década de 1990, a Riesling deu a volta por cima.
Os livros Riesling Rediscover, de John Winthrop Haeger (2016), e Best White Wine on Earth – The history of Riesling, escrito por Stuart Pigott (2014), bem contam o renascimento do interesse pela cepa.
Apesar de não ser exatamente famosa entre o público médio, é a queridinha dos connoisseur e wine geeks, muitos dos quais apontam a Riesling como a rainha das uvas brancas.
Quem viu o filme Somm – Into the bottle talvez lembre da descrição do astro-sommelier Ian Cauble ao degustar um riesling: maçãs verdes esmagadas, mangas verdes, lírios brancos recém cortados, frescor de lata recém aberta de bolas de tênis e mangueira de borracha nova.
Bolas de tênis e mangueira de borracha? Talvez isso explique porque a Chardonnay é muito mais popular. Todavia, é esse tipo de complexidade que faz revirar os olhos de muitos degustadores.
A uva é versátil, pode se apresentar em vinhos doces, meio-doces até os secos. Mas é este último estilo que mais agrada. De maneira geral, a Riesling entrega bastante acidez, uma intensa complexidade aromática, mineralidade elegante e é de fácil harmonização. Particularmente, gosto dela com comida japonesa.
Com ou sem o título de rainha, a Riesling é, sem dúvida, uma uva cult no meio da crítica mundial e dos consumidores mais aficionados.
Alsácia vs. Alemanha
Há uma velada, porém inegável, rixa entre os produtores da Alsácia e da Alemanha acerca de quem produz o melhor Riesling. Deve ser particularmente irritante aos alsacianos que a Alemanha seja mais conhecida como região produtora desta casta.
Nos dois lados do Reno o clima é semelhante, o solo parecido e os vinhedos se beneficiam da mesma proteção das montanhas Vosges, que impedem o avanço da influência oceânica e reduzem as precipitações pluviométricas. Para se ter uma ideia, a Alsácia registra os menores índices de chuva da França.
Os vinhos da Alsácia tradicionalmente são mais opulentos com maior intensidade na fruta e mais corpo, usualmente chegam a 12 ou 13 graus alcoólicos.
Mais ao norte, na Alemanha, o amadurecimento é mais tardio, os Rieslings secos costumam ser mais magros, porém, mais acurados ou meticulosos nos aromas e sabores. A maioria gira em torno dos 9,5% de álcool.
É preciso ressalvar que com tantos produtores, particularidades regionais e técnicas produtivas diferentes, fazer essa generalização entre os estilos francês e germânico é um tanto simplista.
Degustação
Tive a oportunidade de participar de um interessante painel de degustação de Rieslings secos de produtores afamados alemães e alsacianos. Todos os vinhos foram degustados às cegas.
Ao final, ficou claro que não é só a resiliência que o fundador, Jean Trimbach, tem a se orgulhar. Quase 400 anos depois, a 13ª geração da família continua fazendo um excelente Riesling, o preferido entre a maioria dos degustadores.
A tabela abaixo representa a ordem de predileção do grupo (esquerda) e a minha pessoal (direita).
A aparente inconsistência nos resultados, principalmente do grupo, pode ser explicada pela diferença de temperatura de algumas garrafas e pelas preferências pessoais que acabam interferindo umas nas outras no cômputo do que deveria a média das notas atribuídas.
O fato de termos rótulos repetidos só foi descoberto no final e, certamente, aumentou a dificuldade na comparação.
Veredito
Analisando os resultados, restou inconclusa a definição de qual região é a melhor. Alguns produtores, independente da origem, destacaram-se mais que outros.
A certeza que tiramos é que tanto na França, quanto na Alemanha, elaboram-se Rieslings de altíssima qualidade, e que quem ganha com a rixa entre as nacionalidades somos nós.
fevereiro 3, 2020
Adorei !! Senti como estivesse passeando e provando vinhos entre França e Alemanha. Nota MIL p o Blogueiro
fevereiro 6, 2020
Obrigado. Muito bom saber que foi uma leitura agradável.
fevereiro 3, 2020
Muito bom,Diogo !! Parabéns! Além de aprender sobre vinhos, também estou aprendendo melhor a História e como você finaliza seu texto: Quem ganha somos nós !
fevereiro 6, 2020
Érica, para mim um dos grandes ensinamentos do vinho é compartilhar. Afinal, ninguém bebe uma garrafa sozinho. Aqui tento aprender e compartilhar histórias e experiências. seja muito bem-vinda.
fevereiro 4, 2020
Ótimo artigo, Diogo. Essa mistura de informações sobre os vinhos e a história dá um toque especial e agradável à leitura. Parabéns
fevereiro 6, 2020
Augusto, obrigado. Costumo dizer que sempre há muito mais do que (só) vinho em uma garrafa.